Explicações biológicas e reflexão ética aplicada para leis e profissionais da saúde.
A gravidez anembrionária (GA), também conhecido como óvulo cego1, é uma gravidez anormal (patológica)2, ou seja, um insucesso precoce da gravidez3.
Ocorre quando, logo após o surgimento do filho na fecundação, o embrião se implanta e um saco gestacional (embrionário) se forma e cresce, mas o embrião de per si não se desenvolve além do estágio cilíndrico de ovo bilaminar e o filho não consegue sobreviver.
Ou seja, o embrião não se mantém dentro de um saco gestacional. Essa condição pode ocorrer por falhas GENÉTICAS ou NUTRICIONAIS durante a implantação do embrião no útero.
Esse fenômeno acontece em uma taxa mais alta ainda em mulheres que concebem após inseminação artificial4.
No entanto, a parte externa do embrião (saco gestacional) que o protege poderia sobreviver se nutrientes e oxigênio estivessem disponíveis no tecido materno circundante, para produzir energia pelo ciclo aeróbico do ácido tricarboxílico (Ciclo de Krebs, também conhecido como Ciclo do Ácido Cítrico). Isso porque o saco gestacional é mais resistente que o embrião (afinal, foi feito para protegê-lo).
Assim, é concebido o filho, mas ele não consegue se instalar e pode “cair do saco”5. O saco gestacional se fixa com sucesso no endométrio, continua crescendo e sofrendo alterações (por sua resistência), mas sem o embrião. Por este motivo, o corpo da mulher pensa estar em gestação, desenvolvendo a mama, aumentando níveis circulantes das proteínas placentárias6: HCG, Proteína plasmática A associada à gravidez (PAPP-A), Proteína Schwangerschaft 1 (SP-1), alfa-fetoproteína (AFP) etc. Se fizer um exame no plasma, dá até para saber o sexo7 do bebê (que já não está mais ali).
Em geral, o corpo se encarrega de eliminar espontaneamente o embrião, o que, por discricionaridade chamamos de perda precoce da gravidez (<13 semanas) ao invés de aborto espontâneo (>13 semanas).
O embrião em si é expelido como secreção, de modo oculto, pois é muito pequeno nessa fase, de modo que a verdadeira frequência de gravidez anembriônica pode ser difícil de avaliar.
Fisiologicamente os tecidos extraembrionários subsequente são reabsorvidos, mas quando restos embrionários permanecem presentes dentro do saco gestacional, isso é comumente chamado de aborto retido. Um termo melhor para essa condição seria parada embrionária precoce e pode, em alguns casos, necessitar atenção médica8 por este ficar retido.
Se uma gravidez anembrionária progredir para uma perda precoce da gravidez (EPL), a paciente pode apresentar cólicas abdominais e sangramento vaginal. Sinais e sintomas clínicos, teste de gravidez e ultrassonografia (transabdominal ou transvaginal) do primeiro trimestre da gravidez e amostras histológicas embrionárias confirmam o diagnóstico de um saco gestacional vazio9 sem o embrião “que se perdeu”.
A etiologia exata para gestações anembrionadas é mal compreendida e complexa de determinar, e por complexa entende a variação de fatores etiológicos diferentes10 para cada gestação anembrionária e são geralmente estudados no contexto mais amplo da perda precoce da gravidez. Sugiro até camundongos mutantes (homozygous GPI-null) como modelo animal para aprofundar o estudo da biologia do desenvolvimento em alguns tipos de gravidez anembrionária humana11.
O embrião se forma, mas o filho acumulará muitas mutações em seu desenvolvimento, por alteração de genes ou por falta do cromossomo da mãe ou do pai, o que pode gerar multiplicação de cromossomo do outro genitor (para tentar compensar) e isso o faz sobreviver, mas não por muito tempo, por haver falhas na maioria dos mecanismos celulares e moleculares na sua biologia de desenvolvimento12, não sendo capaz de se manter instalado.
Basicamente as etiologias incluem:
- Anormalidades morfológicas no embrião: que impedem a implantação ou impedem a sobrevivência a longo prazo após a implantação. Acredita-se que essas anormalidades morfológicas estejam relacionadas a anormalidades cromossômicas13.
- Anormalidades morfológicas no saco gestacional: saco em formato irregular, distorcido e/ou situado em uma baixa posição dentro da cavidade uterina inferior14.
- Anormalidades cromossômicas: que coletivamente incluem:
- trissomia autossômica (uma cópia tripla);
- poliploidia (mais de dois conjuntos de cromossomos),
- polissomia cromossômica sexual (mais cromossomos sexuais que o normal)
- e monossomia X;
- Por exemplo, descobriu-se que a trissomia 16 dá origem a um crescimento embrionário rudimentar com um saco vazio (gravidez anembrionária)15, enquanto outras trissomias16 geralmente resultam em morte precoce,17.
- Outras anormalidades genéticas: incluem translocações, inversões, perturbações de um único gene e mosaicismo placentário (a presença de 2 materiais genéticos distintos)18.
- Casamentos consanguíneos: resultando em gestações anembrionadas também foram observados, sugerindo um papel de determinantes de um único gene19.
- Danos ao DNA dos espermatozoides20.
- Carência nutricional básica: O embrião depende da glicólise anaeróbica para sua produção de energia e qualquer escassez de substratos comprometeria o desenvolvimento21. Um embrião com muitas mutações:
- Ele pode se desenvolver, mas depois morrer devido a deficiência glicolítica)
- ou seria incapaz de produzir energia suficiente para se desenvolver normalmente, além do estágio de cilindro de ovo bilaminar.
- Há muitas outras razões pelas quais o suprimento de nutrientes pode falhar neste momento, como aumento da concentração plasmática de chumbo e a relações significativas entre folato (vitamina B9) e cobalamina (vitamina B12) na gestante22.
Em resumo:
1) GA é uma gravidez anormal (patológica).
2) É quando um embrião não se desenvolve dentro de um saco gestacional (fica ao lado de fora).
3) Há um saco gestacional intrauterino (placenta sem o embrião) até o primeiro trimestre.
4) Todo o saco gestacional vazio (quando visto por exame) um dia continha um embrião em um certo momento.
5) Existem exames que marcam o DNA fetal livre (ffDNA)23 circulando no plasma materno. Ou seja, se há material genético diferente da mãe, este pertence ou pertenceu a outra pessoa (seu filho).
6) Há artigos que dizem que esse (ffDNA) origina-se principalmente da placenta (feita pelo bebê) e não do embrião em si. Dá para descobrir o sexo do filho (que morreu) por RT-PCR ou por QF-PCR, em amostras de plasma (mãe) e tecido coriônico que sobrou (do filho).
7) Outros meticulosos ensaios e exames histológicos confirmam os tecidos embrionários e/ou extraembrionários e alguns restos de material fetal do filho que se perdeu precocemente24.
8) Essa patologia (GA) acontece por DOIS MOTIVOS básicos: MUTAÇÕES GENÉTICAS e/ou CARÊNCIA NUTRICIONAL.
9) A expulsão espontânea é o destino esperado, mas há casos que necessitam de exames e evacuação cirúrgica.
10) Todas as gestações “anembrionadas” eram na realidade gestações embrionárias, o que gera uma confusão cognitiva e traumática nas gestantes, nas quais o filho foi perdido antes da primeira consulta médica. “Assim, a chamada gravidez anembrionária pode revelar-se um mito!” (p. 205)25
11) Deve-se considerar a influência da mudança de caráter ideológico e comercial, da definição de gravidez pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG), em 1965, quando foi redefinido o termo “concepção”, para designar a “implantação” em vez de “fecundação”26. Passou-se a reconhecer – o “filho” somente após a implantação do embrião no endométrio e, a gravidez, como tendo seu início somente na implantação. Tais mudanças tiveram, evidentemente, interesses n no controle de natalidade27 por métodos “anticoncepcionais” orais, DIU etc, e a liberação da manipulação e destruição de embriões com a FIV. Ou seja, é neste contexto, onde se defende que a gravidez começa na implantação e não se considera mais o embrião antes da implantação, que é dado o nome de gravidez “anembrionária”.
12) O termo “gravidez anembrionária” induz a mãe e o pai a pensar que não tiveram um filho nessa ocasião. Por isso, muitos médicos e profissionais de medicina seguem os “guidelines” e afirmam incorretamente que não houve um filho com este tipo de gravidez “anaembrionária”.
12) Tacitamente, o termo técnico mais apropriado clínico e cientificamente seja – pura e simplesmente – uma gravidez com perda embrionária.
Então: Houve uma vida sim!
Êndel Alves, Prof. Biol. Spec. MSc.
Biólogo (UPE), Especialista em Direitos Humanos (UCB), Especialista em Biologia Celular e Molecular (FaSouza), Mestre em Bioética pela University Anáhuac México (UAM), Mestrando em Biologia Celular e do Desenvolvimento (UFSC), Aperfeiçoamento em Bioética pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (APRA), em Bioética: Direito, Medicina, Genética e a Ética das tecnologias reprodutivas na Harvard University – Harvard Law School (HLS) e em Ciência das Células-Tronco no American Museum of Natural History (AMNH)
Marlon Derosa, Prof. MSc.
Master Internacional em Bioética, pela Fundación Jérôme Lejeune, doutorando em bioética pelo Pontifício Ateneu Regina Apostolorum (APRA), professor de cursos de bioética e em pós-graduações no Instituto Pius e Centro Universitário Católica SC. Escritor com cinco livros publicados.
1Termo sinônimo, que está caindo em desuso por não ser tão descritivo.
2FUJIKURA, Toshio; FROEHLICH, Luz A.; DRISCOLL, Shirley G. A simplified anatomic classification of abortions. American Journal of Obstetrics and Gynecology, v. 95, n. 7, p. 902-905, 1966.
3STABILE, I. Anembryonic pregnancy. In: The Embryo. Springer, London, 1991. p. 35-43.
4YOVICH, JOHN L.; MATSON, PHILLIP L.; YOVICH, JOHN L. Early pregnancy wastage after gamete manipulation. BJOG: An International Journal of Obstetrics & Gynaecology, v. 95, n. 11, p. 1120-1127, 1988.
5STABILE, I. et al. Maternal serum alpha-fetoprotein levels in anembryonic pregnancy. Human Reproduction, v. 4, n. 2, p. 204-205, 1989.
6JOHNSON, M. R. et al. Placental and ovarian hormones in anembryonic pregnancy. Human Reproduction, v. 8, n. 1, p. 112-115, 1993.
7HENDERSON, Deborah J. et al. Trophoblast from anembryonic pregnancy has both a maternal and a paternal contribution to its genome. American journal of obstetrics and gynecology, v. 165, n. 1, p. 98-102, 1991.
8HUANG, Ying-Ti et al. Management of anembryonic pregnancy loss: an observational study. Journal of the Chinese Medical Association, v. 73, n. 3, p. 150-155, 2010.
9MCKENNA, Kathleen M. et al. The empty amnion: a sign of early pregnancy failure. Journal of ultrasound in medicine, v. 14, n. 2, p. 117-121, 1995.
10CHAUDHRY, Khalid; TAFTI, Dawood; SICCARDI, Marco A. Anembryonic Pregnancy. In: StatPearls [Internet]. StatPearls Publishing, 2022.
11WEST, John D. Pregnancy: A genetically defined animal model of anembryonic pregnancy. Human Reproduction, v. 8, n. 8, p. 1316-1323, 1993.
12JAUNIAUX, Eric et al. Biochemical composition of the coelomic fluid in anembryonic pregnancy. American journal of obstetrics and gynecology, v. 171, n. 3, p. 849-853, 1994.
13HERTIG, Arthur T.; ROCK, John. Searching for early fertilized human ova. Gynecologic and Obstetric Investigation, v. 4, n. 3-4, p. 121-139, 1973.
14NYBERG, David A.; LAING, F. C.; FILLY, R. A. Threatened abortion: sonographic distinction of normal and abnormal gestation sacs. Radiology, v. 158, n. 2, p. 397-400, 1986.
15EDMONDS, D. Keith et al. Early embryonic mortality in women. Fertility and sterility, v. 38, n. 4, p. 447-453, 1982.
16WARBURTON, Dorothy; BYRNE, Julianne M.; CANKI, Nina. Chromosome anomalies and prenatal development: an atlas. Oxford University Press, USA, 1991.
17EDMONDS, D. Keith. Spontaneous and recurrent abortion. In: SHAW, R.; SOUTTER, P.; STANTON, S. (eds). Gynaecology. – 2ª ed. – Edinburgh: Churchill Livingstone, 1992.
18BERGLUND, G. Preparation of antiserum to an antigen of low molecular weight. Nature, v. 206, n. 4983, p. 523-524, 1965.
19SHEKOOHI, Sahar et al. Chromosomal study of couples with the history of recurrent spontaneous abortions with diagnosed blightded ovum. International journal of molecular and cellular medicine, v. 2, n. 4, p. 164, 2013.
20ROBINSON, Lynne et al. The effect of sperm DNA fragmentation on miscarriage rates: a systematic review and meta-analysis. Human reproduction, v. 27, n. 10, p. 2908-2917, 2012.
21WEST, John D. Pregnancy: A genetically defined animal model of anembryonic pregnancy. Human Reproduction, v. 8, n. 8, p. 1316-1323, 1993.
22YIN, Yan et al. The effect of plasma lead on anembryonic pregnancy. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1140, n. 1, p. 184-189, 2008.
23ALBERRY, M. et al. Free fetal DNA in maternal plasma in anembryonic pregnancies: confirmation that the origin is the trophoblast. Prenatal Diagnosis: Published in Affiliation With the International Society for Prenatal Diagnosis, v. 27, n. 5, p. 415-418, 2007.
24STABILE, I. et al. Ibid., 1989.
25Ibid.
26 AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. ACOG. Terminology Bulletin. Terms Used in Reference to the Fetus. No. 1. Philadelphia: Davis, September, 1965.
27HARTIMAN, C.G. (ed.). Mechanics Concerned With Conception. Nova York: Pergamon Press, 1963), p. 386.